quarta-feira, outubro 21, 2009

Hiato


Apoiado no parapeito da janela no cômodo mais alto daquela casa se encontra um garoto. Seus olhos franzidos, sensíveis à claridade infernal, acompanham as ondas que quebram no dique enquanto a brisa da praia sopra morna em seu rosto num tempo de verão escaldante. Um barco à vela se distancia até encobrir-se completamente por detrás dos coqueirais. O garoto, embora mais velho e sólido que outrora, não esconde os traços complicados que o marcaram de todas as formas ao final daquela viagem. O barco era pequeno, não havia espaço para dois.

Dois anos se passaram desde o primeiro incidente. A história que se passou – segundo o que ele me contou – não vale a pena ser registrada aqui ou sequer em sua memória. Para resgatar o que havia perdido pelo caminho era preciso livra-se de todos os males.

Luz, som, beijos no escuro. Luz outra vez.

Esse não é o caminho.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Mau-olhado...

Qual a probabilidade de se encontrar o passado no meio da noite por duas vezes em lugares diferentes? Tem dias em que eu chego a ter certeza de que jamais conseguirei compreender o jeito dele ser. Tudo porque o mundo parece vibrar em cores enquanto ele enxerga os contornos das coisas e das pessoas desbotados. E o cheiro que lhe invade e embriaga não passa de parte de outra história que esqueceram de lhe contar quando criança. Os passos conquistados numa rua em preto e branco soam como em um filme tétrico, cheio de gente estranha que nem se interessa pelo que ele está fazendo ali. Ele é uma sombra perdida em meio a tantos semblantes cor de rosa. Certa vez a morte se sentiu tão sozinha que resolveu lhe fazer companhia e ela era uma parceira fiel, adorava sair com ele para todos os cantos. Claro que sua presença era desagradável, ele estava acostumado a andar sozinho e aquela parceira era extremamente impertinente. A ironia disso tudo é que quando ela resolveu ir embora o vazio que ficou foi tão grande que ele chegou a sentir falta. Desde então é uma tal de procura incessante atrás dos passos dela, mas até hoje nunca achou nenhuma pista do paradeiro. Ora essa! O que fazer com o tempo ocioso? O que lhe vem à cabeça são vontades que já perderam a graça, criatividade mandou lembranças... Enquanto isso a oficina do diabo trabalha a todo vapor, tentando compreender questões sem futuro como o porque dessa dor quando os olhos encontram nitidez num rosto de alguém que já foi, mas hoje, de verdade, nem é mais... E aquele beijo na boca que não era a dele?

sábado, junho 09, 2007

Entorpecido



Ele é um fantasma da noite e do dia. Não importa aonde vá, caminha disperso, distante... Procura uma resposta em cada lugar, em cada pessoa, em cada olhar. Escreve uma carta, enfrenta o espelho, faz o seu papel. Precisa de uma nova versão de si mesmo.

Quando seus segredos são todo o peso do mundo o mistério que o envolve já não sacia mais ninguém. Seu discurso se repete sem pudores, enquanto que suas múltiplas personalidades se dissolvem uma por uma.

Desconsiderem o seu silêncio ou quando ele fala demais... Notem sua presença, inflem seu ego, mas nem procurem compreendê-lo, ele é assim mesmo.

Lembranças espalhadas num quarto selado e o coração partido que jamais encontra um ritmo certo. Consciência ignorada e palavras sinceras que poderiam não ser. Sorriso irradiante e a única lágrima que caiu numa noite qualquer. A vodka e as aventuras que não são remédio pra ninguém. Entorpecido. Música em volume alto no escuro. Deitado no chão, olhando pro teto, ouvindo vozes e enviando conselhos pro inferno. E de repente a sensação de que garotos complicados precisam incessantemente de novas versões. Porque lidar com desvarios de uma mente que teima em não ter noção do ridículo é uma merda... E saudade também.

quarta-feira, março 28, 2007

sweeter than honey


Numa tarde de domingo ele teve um encontro que provavelmente já havia tido no passado, porém sua infância foi marcada por momentos em sua maioria traumáticos e como sua memória seletiva não funciona muito bem ele acabou descartando algumas lembranças que talvez tenham sido agradáveis.

Através do vidro do carro o seu braço invade o interior para sentir um toque que lhe faz esquentar. É. O garoto-gelo começava a derreter a partir daquele momento. E as conversas que se sucediam noite adentro pela internet inundavam o seu quarto do pânico transformando-o no maior idiota que já se viu. Não havia mais amargura, só o garoto mais doce que mel. Cafona, ridículo, patético. Isso acontece. As viagens eram marcadas pelo toque na perna e as mãos que se abraçavam, enquanto que os domingos eram tórridos, eróticos e quentes dentro de um carro que, estacionado à beira da praia, lhe tomava todo o ar que existia, ou será que era a companhia? Mãos que buscavam lugares inapropriados, mas não encontravam porque o garoto não tinha pressa. Ele esperava e se excitava ainda mais com aquele jogo que se desenrolava por semanas. No estacionamento ou nas escadas de incêndio de um shopping o perigo era um motivo a mais que tornava tudo muito mais interessante. E o garoto tímido se via precisando esconder que era o cara mais facilmente estimulado só por conta de uma criação meio puritana que não lhe permitia assumir seu lado mais pervertido. Algumas músicas bonitas e outras bizarras eram a trilha sonora de tantos momentos que poderiam ficar marcados pra sempre se tudo não tivesse escorrido pelo ralo como algo insignificante que a gente joga fora. Mensagens, declarações, perfume que não saía da pele e o hálito com gosto de menta... Muitos admiram a merda que fazem antes de dar descarga, mas outros nem isso... Indiferença. E agora o garoto deve recorrer a memória seletiva para esquecer o que deve ou o que não deve. Porque velejar se tornou um esporte perigoso, enjoado e sofrível... O garoto complicado não quer mais saber de barcos... A não ser que quem segure o leme tenha um pouco mais de maturidade.

segunda-feira, março 05, 2007

velejando...


Será possível que se tornar uma nova versão de si mesmo é tão fácil quanto às vezes tudo faz parecer? Todas as suas diversas personalidades estão subjugadas a uma nova cara de bobo que esqueceu de ser frio e independente. Ele agora tem assuntos que ocupam sua cabeça todo o tempo, porque o barco que veleja pelos intermináveis oceanos tempestuosos encontrou um mar de calmaria onde uma brisa suave e agradável guia lentamente para onde ele deve ir. Sentir saudade em tão pouco tempo de abstinência só prova que é possível criar novas versões de uma mesma pessoa, porém é difícil saber até que ponto se tem controle sobre essas transformações. As noites de sexta feira continuam a engolir-lhe os pensamentos enquanto o ar lhe é roubado no quarto do pânico. Mas quem disse que tudo é perfeito na vida? Os poucos e preciosos minutos das noites de domingo compensam todo o peso do resto da semana. E o garoto complicado, embora mais complicado do que nunca, está feliz e solto... Não sei porque isso me passa uma sensação de insegurança... Ah, ser contraditório é ser natural.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

um belo início


A virada do ano é sempre uma explosão de expectativa com todos os sentimentos positivos que se possa imaginar. Porém a festa, horas antes, é um massacre que se repete por todo mês de janeiro. Acordar todo dia é uma maravilha quando se pode levantar da cama e contemplar o mar através da janela do quarto, mas tudo se transforma num inferno quando o peso da realidade se instala em seus ombros com tanta força a ponto de fazer sentir a coluna estalar. Que perspectiva se pode ter quando o que se espera à frente é uma tortura física numa academia para construir um corpo desejável pelo biótipo desejado? Sua disposição é quase nula, mas a vontade, ué... Persevera. E quando o retorno pra casa traz a obrigação de se preparar para partir novamente para o trabalho? Ele não deveria nem pensar em reclamar do estágio como redator publicitário, algo exatamente inerente ao seu curso na faculdade e ao que sempre quis desde o primeiro período, mas porque ele reluta por dentro a aceitar que a porcaria do curso que ele escolheu não é o que ele quer de verdade? Isso é porque ele está no sexto período e precisa tomar um rumo? É porque ele tem 22 anos e parece reviver toda a pressão psicológica de um adolescente às vésperas de um vestibular? Ora essa! Que se danem todas as convenções! Como se não fosse muito ele ainda precisa contemplar as duas estrelas da casa seguindo suas vidas num brilho radiante, acompanhadas, lógico, de seus astros que, pelo visto, têm brilho próprio, mas não as ofuscam. E ele as admira de longe achando que tudo é tão perfeito... E para ele resta apenas o quarto selado e a vitamina de gosto amargo. Reclamar é um direito a todos permitido e por mais que existam pessoas em situações piores, cada um conhece exatamente a merda dos seus problemas e dizer que ignora-los é o melhor caminho é só hipocrisia. Tomar antidepressivos todos os dias pra não achar que vai morrer, ir trabalhar num estágio estressante só pra justificar o custo da faculdade e exibir uma falsa impressão de rumo tomado na vida, ser ofuscado pelas duas estrelas mais jovens que brilham tão mais fortes que ele, ver os amigos antigos felizes com outras pessoas e perceber que você já não tem mais tanto em comum com eles, ter novos amigos super legais, mas que por mais que sejam um porto seguro eles não são a sua tribo definitiva... E nem resolverão seus problemas. Boiar a deriva sem saber onde parar é uma merda. E toda essa conversa fiada de "deixa a vida me levar" não passa de psicologia barata pra que ninguém entre em paranóia por causa da falta de propósito na vida. Bom, ele não é uma pessoa totalmente sem propósitos, na verdade ele tem muitos. Porém todos eles a cada dia se aproximam mais de pura utopia. E ele não consegue tirar os pés do chão. Sintam-se agora todos convidados a criticá-lo, chamar-lhe de acomodado, vocês têm esse direito. Mas só adianto que isso provavelmente não vai surtir efeito algum. Talvez seja esse fatídico mês de janeiro, quando nada acontece por fora e tudo acontece por dentro... Às vezes a vida é ótima e às vezes a vida é uma merda.

quarta-feira, novembro 29, 2006

da água para o vinho


Ele não vai mais esperar porcaria nenhuma.

domingo, setembro 24, 2006

Mil anos...


As horas passam e nada faz a menor diferença... Tantas pessoas chegam e partem, mas tudo permanece a mesma coisa e embora já negou infinitas vezes ele hoje, enfim, admite. O momento é sempre inoportuno, entretanto tudo dentro dele grita pra que seja agora. Paciência... A vontade de falar só não é tão forte quanto a consciência de que segurar-lhe seria tão difícil quanto conter areia fina entre os dedos da mão. E por isso ele espera todos os dias... Incansável. Não importa quantos anos lhe custem. Porque os olhos tão claros, embora não o enxerguem, são o refúgio que um dia ele ainda vai habitar... Isso é tão certo quanto à noite e o dia... E ao mesmo tempo em que ele acredita nisso tudo calado esse é o seu segredo mais óbvio.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Ela...


Quando ela lhe deu o presente ele teve que manter aquela velha postura fria, afinal ele sempre foi assim, todos sabem... O vídeo tinha algo de cômico, mas a mensagem verdadeira não chegou a lhe tocar enquanto ela estava ao seu lado, porque como havia dito ele tinha que se manter frio, inabalável.

Quem o ensinou a comportar-se assim? Quem foi que disse que entre eles tudo tem que ser levado no escracho e nunca a sério? Ah, não é uma pergunta tão difícil pra quem o conhece de verdade... E agora que ela sabe a resposta é tão obvia quanto se pode imaginar. Pra quem não o conhece basta saber que para ele a vida foi desde sempre um vórtice por onde todos os seus pensamentos ruins espiralavam pra dentro dele mesmo, que desde pequeno tivera que aprender a viver utilizando-se de válvulas de escape disfarçadas de brincadeiras infantis e que sua mente poderia ser definida como um cofre impenetrável, cujo segredo poucos conheciam. Pois é... A vida poderia ser considerada a grande vilã da história se ao mesmo tempo ela não lhe estendesse a mão após cada queda, após cada grito contido.

À tarde, sozinho em seu quarto, ele assistiu ao vídeo novamente e em menos de dez segundos lágrimas pesadas jorravam dos olhos como uma torneira aberta. Ele era a visão mais patética e abestalhada que qualquer um poderia imaginar se o visse naquele momento. Ele chorava por saber que tudo fazia sentido, que o seu passado com ela era a porta para um mundo de lembranças felizes... Por confirmar, embora ele não precisasse de provas, que ela sente o mesmo.

E por saber que mesmo muitas vezes imaginando-se sozinho até o último dia de sua vida ele teria a certeza de que ela e ele juntos são eternos.

Ter nascido sua irmã nesta encarnação não é apenas um detalhe. Eles são almas gêmeas.

Ela, ele, os cachorros, os videogames, os mangás, o mesmo quarto a vida toda, Maroule e todas as lembranças... Pra sempre.

TT_TT <---(carinha de mangá chorando)

sexta-feira, agosto 04, 2006

modernidade...


Era uma noite tediosa qualquer há uns dois meses, mais ou menos. Ele estava cansado de esperar por alguém no msn e a internet inteira parecia não ter mais nada de interessante pra o manter acordado. Deitado em seu quarto com a janela trancada ele nem mesmo enxergava as estrelas pelo vidro que acabara de cobrir com papel manteiga, o ventilador reproduzia um barulho baixinho na menor potência e a sensação de sufocamento começou tomar-lhe de assalto. O quarto parecia menor do que era e o ar parecia fugir por sei lá que brecha pudesse existir num cubículo completamente trancado. Seu coração disparou e em questão de maia hora ele estava no hospital fazendo um eletrocardiograma!

Exames normais. Ele não tinha nada de errado.

Dois dias depois ele voltava de ônibus da faculdade tarde da noite. Reparava nas pessoas que subiam e escolhiam entre tantas cadeiras vazias pra sentar. É curioso isso... a gente sempre pede internamente pra que aquele ou aquela estranha sente em qualquer lugar menos ao seu lado, você quer ocupar sozinho as duas poltronas enquanto viaja com o vento na cara pensando em sei lá o que. Mas não é que chega alguém e escolhe sentar ao seu lado, mesmo tendo tantos outros lugares pra se sentar! Ah isso é um saco mesmo, mas em menos de um minuto você se acostuma e esquece de quem está alí ou pelo menos até o dia em que você precise de ajuda, o que, obviamente, tinha que acontecer com ele! Mesmo com uma janela enorme por onde uma ventania entrava e varria o seu cabelo pra trás, aquela sensação de sufocamento o engoliu outra vez seguida de um disparo na aceleração cardíaca tão forte a ponto de fazer-lhe perder o equilíbrio e a sensibilidade dos braços. Cerca de dez minutos depois ele estava outra vez no mesmo hospital fazendo os mesmo exames de eletrocardiograma e recebendo os mesmo resultados de que nada de errado acontecia com ele.

Nada de errado no que se refere a problemas de hipertensão arterial... O garoto complicado descobriu uma semana depois que estava com a sindrome do pânico.

Porque ele sabia que um dia as consequências de tanto enclausuramento e internamento de sentimentos em locais pouco acessíveis apareceriam... Porque ele ainda não era complicado o suficiente!

segunda-feira, abril 17, 2006

routine...


Ele acorda todo dias às sete. Confere o progresso do download no pc, ligado a semana toda, e se dirige ao banheiro. A água que escorre pela pia logo se tinge de branco com a espuma da pasta de dente. Um minuto depois ele desce cambaleante numa escada íngreme e se apóia contra a parede pra não se "estabanar" lá em baixo. Na geladeira uma vitamina de gosto meio amargo de tanto suplemento a base de arroz e soja o espera. Pouco tempo depois ele já está de volta ao computador. Há dias em que essa parte do dia segue de algum episódio recém baixado do seu seriado favorito, como também há dias em que ele só fica lá ouvindo los hermanos, the corrs ou qualquer música de letra bonitinha ou de melodia triste, porque melodias tristes o deixam feliz, fazer o que? Às nove em ponto, do chuveiro cai uma água gelada... E perfeita na sua cabeça e leva junto pelo ralo o resto de sono que ele ainda tem. Uma hora depois ele caminha por dez minutos numa trajetória de cheiros e lugares horríveis para a sua academia. "Contemplar essa visão do inferno todos os dias tem que valer a pena!" Eventualmente ele leva uma topada numa pedra ou num batente qualquer (isso porque não há ninguém neste mundo que leve mais topadas do que ele). Agora já faz cinco minutos que ele caminha rápido na esteira. E ele precisa pensar em alguma coisa enquanto está lá...
"Ele não precisa de você. Ele se libertou de qualquer tipo de dependência que a auto-suficiência não possa suprir. Ele está feliz trancado em seu quarto assistindo aos seus milhares de filmes e sonhando com seus milhares de mundos. Ele não sente a menor falta da patetice de sentir falta de qualquer coisa. Ele agora sente apenas um alívio enorme por conseguir abrir um sorriso de orelha a orelha sem que você tenha qualquer responsabilidade por isso. Ele realmente está feliz. Mesmo!".
Bom... Dia desses, ele te encontrou como quem não quer nada “ou como quem quer tudo” e tudo o que EU me perguntei internamente foi: “mesmo”?

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Lendas de Morfina...


Ao soar da primeira badalada do sino da igreja da Sé, já era possível perceber que algo de sobrenatural acontecia. Um vento gélido e úmido varria as ruas, onde geralmente soprava uma brisa suave e agradável, com uma força capaz de arremessar qualquer pessoa ladeira a baixo, aliás, ladeira era o que não faltava naquela cidade. E era no alto de uma das mais íngremes que eu enfrentava um desafio pessoal.

Parado ali, esperando pela coragem que sempre me faltara, eu, um garoto de cabelos cuidadosamente penteados, dei a primeira pedalada rumo àquela que seria a superação de mais um obstáculo entre tantos outros não superados em minha vida. Durante os primeiros segundos da descida, eu que nunca ousava ir além das minhas capacidades, ouvia os gritos dos outros garotos ecoarem no alto da Sé. Quanto mais velocidade atingia com a minha bicicleta, mais eu ouvia os gritos que desde sempre me acovardavam. Porém desta vez seria diferente, estava certo de que minha vida mudaria drasticamente a partir do momento em que chegasse ao final daquela ladeira. E isso me enchia de coragem. Mas teria sido coragem mesmo que me impulsionara a cometer aquela loucura? Estaria realmente ciente do que estava fazendo? Bom, na verdade não deveria taxar de louco aquele que busca superar seus limites, mas neste caso... Se você estivesse lá, você provavelmente reprovaria aquilo que eu estava fazendo.

O sino batia pela segunda vez, enquanto eu já atingia o meio do caminho na ladeira da misericórdia. A expectativa de uma chegada desastrosa crescia à medida que a ventania intensificava a sua força. Agora eu já não tinha mais controle sob a bicicleta, estava numa velocidade incrível e para mim só restava tentar manter-me em equilíbrio desviando de buracos e pedras que surgiam em minha frente. Qualquer descuido poderia levar a um acidente de proporções gravíssimas e se tal desventura de fato viesse a acontecer, quem seria eu então? O eterno covarde e motivo de zombaria por ser tão temente aos pais? Isso eu não poderia deixar que acontecesse, mesmo que meus atos momentos antes desta minha aventura fossem contra tudo o que diziam a meu respeito. Eu precisava provar que era capaz de ser como qualquer garoto da minha idade.

A verdade é que ninguém sabia dos reais motivos por trás dos meus modos de agir, mas eu sabia muito bem... Só eu seria capaz de dizer o quanto custava não seguir uma ordem ou o quanto doía fazer aquilo que fosse de minha própria vontade. Somente eu poderia dizer que conseqüências resultariam daquele ato insano que havia cometido momentos atrás. Isso, claro, se chegasse inteiro ao final daquela descida, o que seria muito difícil de acontecer, eu diria.

Ouvi então o terceiro badalo do sino da igreja da Sé. Eu parecia voar, tamanha a velocidade em que descia aquela ladeira. Já não sentia mais nada além do vento forte que assanhava os meus cabelos e a chuva fina que parecia furar-me o rosto. Estava perto do final da descida e o medo era tudo o que me restava naquele momento.

Havia percebido que não teria tempo suficiente para frear. O sino tocou uma quarta e última vez quando atingi o final de minha aventura. Eu não via mais nada agora... E na cidade pairava um silêncio como nunca houvera antes.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Certa noite...


Quantos rostos estranhos ele cruza pelo caminho por dia é impossível contar, porém aquele que no meio da noite derramara uma lágrima solitária num banco de ônibus o intrigou como nenhum outro. E durante toda aquela viagem numa estrada cheia de buracos ele tentou penetrar-lhe os pensamentos. Seu olhar era descomprometido e disperso a tudo o que se passava no interior do veículo, no entanto o mundo através da janela, aquele que passava numa velocidade alta acima das onze da noite, exigia-lhe toda a atenção. Por um momento cada poste luminoso parecia obrigar-lhe a mover quarenta e cinco graus o pescoço, o vento invadia violento a janela agitando forte os seus longos cabelos negros presos num elástico e aquele ritmo constante deixou arrebatado aquele que o observava duas poltronas atrás.

E o motivo daquela lágrima continua secreto, obscuro... Tanto quanto o dia em que ele cruzará com aquele rosto outra vez.

quarta-feira, novembro 16, 2005

tempo, tempo, tempo...

Entre ele e o rosto mais próximo existe menos de um palmo de distância. E o tempo, em pouco tempo, deixa de fazer qualquer diferença. Mas por quanto tempo, esquecido do tempo, será ele capaz de sustentar uma realidade diferente? A redoma que o cerca contabiliza cada milésimo de segundo enquanto que suas fugas são essencialmente atemporais. Pois é... Há de se imaginar que o garoto cria simulacros para justificar sandices fora de hora, mas quem realmente pode entender o conflito das idéias quando realidade para tantos se atém ao mundo prático?

É preciso maturidade para acertar o relógio... Maturidade exige tempo... (E o tempo desafia com uma cara que mete medo, num sabe?).

sexta-feira, novembro 11, 2005

Pois é...

Consternado, o garoto desceu os degraus no escuro e por pouco não caiu de cara no chão. No andar de cima se ouvia os gritos dos fantasmas enquanto cada mobília tremia em colapso. A porta da frente estava trancada... Não havia outra saída. E agora? Tudo parecia realmente perdido quando, enfim, a energia voltou iluminando de súbito a casa inteira. Ao virar o corpo para trás e contemplar o local o garoto percebeu um lugar em perfeita ordem, desde o tapete no chão aos retratos na parede tudo o convidava a permanecer ali. E então um gosto estranho de vinho surgiu de repente na boca inebriando-o numa tontura agradável. Aos seus ouvidos chegava uma canção distante ao mesmo tempo em que o ar se carregava de magnetismo... Quanto glamour ele seria capaz de notar em cada detalhe... E neste momento ele perdera completamente a noção da idade que tinha e se perdera em abstrações tão distantes da sua realidade quando alguém poderia ser estando cara a cara com outra pessoa. Como faria ele para suportar todo o encanto ao seu redor quando a cada cinco minutos o som ambiente dava espaço a agonia dos fantasmas no sótão?

Ele precisa aprender a gritar mais alto que os outros... Espero que ele consiga.

sábado, outubro 15, 2005

Solitude for you, baby!

Há experiências em sua vida que o marcaram para sempre, entre tudo o que poderia ter se tornado mais um fato banal enterrado no passado aquilo ainda queimava como brasa irrompendo uma fenda em seu simulacro sentimentaloide. Porque ele se entregava a tudo aquilo que o tragava pro mundo dos esquecidos? Ontem em sua cabeça martelavam perguntas que jamais deveriam ser questionadas, afinal do que valeria a ética se no final ele seria o resto imprestável aos propósitos por ele intencionados? Talvez ele precise mesmo rever os seus conceitos, talvez não haja muito mais o que pensar: Faça tudo o que tiver vontade, doa a quem doer, ou então fique chupando o dedo no final!

E quando a letra da música diz: "who now is left alone, but me..." ele se encontra refletido no espelho.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Dias ruins sempre voltam...

Olha só que tranquilidade o garoto dormindo abraçado ao travesseiro! Seu rosto virado para a parede lhe expõe as costas para uma punhalada certeira! Quem teria coragem de perturbar o sono do pobre? Bom, e não é que ele acorda de súbito desejando destruir o despertador! Naquele momento os raios de sol entravam indiscretos pela janela e lhe queimam os dedos do pé. O melhor que o garoto tinha a fazer era inspirar fundo, talvez na esperaça de capturar uma corrente de coragem que por ventura estivesse no ar, e enfrentar a realidade. Após escovar os dentes lutando contra toda a preguiça do mundo, ele se dirige a cozinha a fim de empurrar qualquer coisa goela abaixo. E é ao tomar aquela vitamina sem graça de banana que ele saboreia o estranho gosto de Déjà vu. Ele se dá conta de que já questionara as mesmas coisas tantas vezes que já não fazia mais o menor sentido repetir-se. Porém ele corre para o seu companheiro de sempre! Enquanto escreve, descobre não ter a menor cabeça para formular sequer um texto coerente, embora não consiga calar porque o silêncio é insuportável. Ele quer queimar tudo no inferno porque fazer drama lhe esvazia a alma possuída de demônios zombeteiros. Ah como eles são engraçadinhos! O garoto complicado precisa de qualquer coisa que o evite pagar um vexame no meio da rua por começar a gritar como um palhaço insandecido! Mesmo que seja um empurrão da janela do oitavo andar daquele prédio vizinho!

Surtado? Não há nada mais normal neste mundo...

quinta-feira, setembro 08, 2005

too crowded...

Oito horas da manhã. Ao abrir a janela o coqueiro o diz bom dia convidando-o a dançar. A música é suave como o mais pesado rock in roll. Em seus olhos a profundidade é infinita, enquanto a sua boca não mais contém o sorriso que irradia. Ele acordou satisfeito com a vida que tinha e com a enorme quantidade de gente que se espremia em seu quarto, embora alguém de fora não ouvisse ou sentisse qualquer presença. Era fácil atribuir suas contradições às diferentes vozes que sussurravam apenas ao seu ouvido, mas este era um bom começo. O garoto se inclinou sobre o parapeito e respirou fundo, enfim ele descobrira que daquilo tudo jamais haveria escapatória, e decidiu render-se. E o tênue véu que dividia este de um outro dia importuno esperava ansioso para ser violado... Todos sabiam bem disso.

Todos são um só ou um só são todos eles?

quarta-feira, agosto 31, 2005

Noites de agosto...

Já era bem tarde quando ele acordou de súbito daquele pesadelo perturbador. Pela janela ele notara os últimos pingos de chuva escorregarem e morrerem no parapeito. O choro do vento lamentava alto aos seus ouvidos e ao levantar-se e deparar-se com a morbidez das árvores em movimento através da janela ele se voltou para o interior da casa, talvez em busca de algum consolo de olhos claros, porém encontrou apenas solidão. Irremediavelmente ele se sentiu em casa. O garoto deu alguns passos em direção ao espelho cuja superfície lhe revelou uma surpresa. Calado logo à diante se encontrava alguém diferente, de olhar libertino e sedicioso, cabelos molhados e respiração ofegante. Em sua expressão era possível encontrar algo de familiar, embora a atmosfera obscena que o cercasse lhe fosse totalmente estranha. De súbito os dois garotos opostos se afastaram até se perderem de vista. A necessidade de um deles era partir o espelho em mil pedaços enquanto que o outro desejava a autonomia para si. Ao amanhecer, porém, já não se sabia quem vencera a disputa, quem permanecia no quarto era um garoto perdido cuja íris espiralava num ralo escuro e indecifrável.

E ele não mais sabia se estava acordado ou se ainda dormia...

terça-feira, agosto 30, 2005

Disritmia...

Não dá mais.
Quantas vezes mais ele buscará brechas numa história que não é sua?
A mesma quantidade de vezes em que ele já pensou extravasar.
Quantas vezes mais ele fará isso a si mesmo?
A mesma quantidade de vezes em que ele já tentou negar.
Quantas vezes mais ele tentará fugir para em seguida se afogar?
A mesma quantidade de vezes em que ele já hesitou chorar.
Quantas vezes mais ele amaldiçoará a todos os expulsando de sua redoma?
A mesma quantidade de vezes em que ele já odiou lamentar.
Não dá mais.
E que se dane a falta de rima. Nada reflete melhor a disritmia insuportável da sua vida.

Garoto malcriado! Fique quieto e finja estar feliz!

terça-feira, julho 05, 2005

Um garoto e um clichê...

Um clarão forte o pegara de surpresa numa noite acompanhada de rostos mudos. Distraíra-se numa conversa previsível, tanto quanto o estrondo que se seguiu, e logo chegara à conclusão de que já deveria ter encerrado o papo há muito tempo. Uma chuva acirrada de repente lhe fazia uma visita à porta de casa sem a menor cerimônia e em menos de um minuto ele estava encharcado da cabeça aos pés. A maçaneta da porta girou quarenta e cinco graus até ele perceber que o movimento era, de fato, desnecessário, aquela casa mantinha-se aberta há um bom tempo. No interior, um breu lhe engolia a medida em que avançava em busca de um interruptor. "Clique". E ele permanecia no escuro. O raio que caíra há pouco provavelmente haveria de ter cessado a energia de alguma forma. Sua intenção era tatear até um cômodo ao final de um corredor que se iniciava do lado oposto ao salão de entrada, precisava arrumar velas, afinal, era esta a atitude comum naquele tipo de situação. Porém os seus olhos se voltaram para a entrada da casa. Seria seguro se aventurar no negrume à frente deixando para trás aquela porta aberta? "E se alguém entrar enquanto estiver lá dentro?" Pensava ele. "Talvez seja melhor trancá-la de uma vez". Porém a porta teimava em não fechar, "por que diabo ela tinha que emperrar justo agora?" Dizia ele não se dando conta de que o problema era culpa de sua própria negligência que lhe acompanhava há anos. Achou melhor esquecer o problema, trazer luz àquela escuridão parecia muito mais urgente. Com os braços esticados à frente do corpo ele seguiu cambaleando, da chuva que caía forte no interior da casa ouvia-se um ruído abafado, como se tentasse demolir o telhado. Mais alguns passos pelo corredor e um ranger de uma porta se abrindo o assombrou. "Quem está aí?" Silêncio. O som viera do andar de cima e, mesmo contra todas as leis de um filme típico de terror, ele resolvera checar sua origem. A escada estava há apenas alguns passos de onde ele se encontrava, em poucos segundos ele já estava na metade do caminho. A chuva ainda caía sobre o teto, sua roupa molhada intensificava-lhe o frio, a expectativa do que iria encontrar lá em cima arrepiava-lhe os pêlos do braço. E ao chegar ao topo ele o encontrou ali parado, fitando-o como um fantasma impertinente. Seus olhos o hipnotizavam num espiral que descia pela íris. Ele agora estava perdido.

O que acontecerá com o garoto complicado?

domingo, junho 19, 2005

Floresta de espinhos...

Um dia ele acordou e descobriu que o mundo é uma rede de pessoas interligadas de uma maneira que ele jamais se verá livre de alguém que tenha conhecido no passado... Mesmo que ele deseje muito isso! Segundo ele, a sensação é como se existisse uma espécie de maldição que o assombra, que o limita. Terá ele que conviver com a idéia de que fantasmas caminham por aí carregando antigas imagens suas?
Outro dia ele me confessou que talvez fosse menos infeliz se não tivesse se transformado em uma outra pessoa de uns anos pra cá. Mas seria válido permanecer o mesmo cara a vida toda? A resposta parece óbvia, porém mudanças tão intensas o deixaram meio cego. É tão difícil acostumar-se a lugares estranhos, imagine só quando o negócio é com o conceito que se tem sobre si mesmo!
Hoje ele parece inquieto, de saco cheio mesmo, sabe? Foi navegando de perfil em perfil no orkut que algumas fotos e scraps o deixavam facilmente irritado. E a mim a sua voz repetia espinhosamente: "não quero ver essas pessoas nunca mais!", "vou me enclausurar em casa e me afastar de todo mundo!", "por que todos não vão para o inferno?".
Esse garoto às vezes passa dos limites! Mas o pior é que até eu às vezes acho que, considerando as leis básicas que regem dentro da sua redoma, ele está certo!

E tudo o que ele queria era poder começar do zero...

sábado, junho 04, 2005

no London Pub...

Complicado demais! Tanto que fora capaz de adentrar um mundo que não o pertencia e nele permaneceu de maneira passiva, inerte. Ele poderia ter ousado comportar-se como os seus nativos, ter tentado se adequar àquele meio de sombras e luzes psicodélicas e ter cedido a olhares que o fitavam com expressões tão distantes daquilo que o interessava. Mas ele tinha medo de acabar se perdendo em algum dos infindáveis níveis de descontrole como toda aquela gente. Ao invés disso ele observou tudo quieto, sustentando até uma distância considerável que o mantinha, de uma certa forma, protegido. Porém ele mais parecia uma criança excluída de um playground, uma mente sem corpo, uma alma perdida e desvirtuada de um caminho seguro. Ele se sentiu diferente... Diferente de tudo o que existe!

E agora ele só tem mais certeza de que nasceu no planeta errado...

quinta-feira, junho 02, 2005

pelo ralo...

Ele pensa que pode entender as pessoas, mas quem consegue realmente alcançar a verdadeira dimensão da redoma de alguém? Há tanto o que fazer ao mesmo tempo em que a melhor atitude a se tomar é ficar quieto. Já faz tantos anos... E ele vem encarando todas as adversidades sozinho. Por quanto tempo mais será capaz de superar as possibilidades que findam num destino escuro de um espiral que desce pelo ralo? Para ele já não é suficiente uma vida de especulações. Não adianta esperar por uma atitude de quem sempre lhe força a desenvolver monólogos patéticos. Garoto complicado você precisa aprender a esquecer! A memória é um recurso perigoso, um labirinto antagônico de caminhos traiçoeiros. E você ainda nem está preparado para encontrar a saída. Para você não há alternativa se não o esquecimento. Ou ficará fadado a um mundo de abstrações mentirosas, insensíveis, que só contribuem para um afastamento da realidade que você pensa que conhece.

E ele continua a não dar atenção ao que digo...

terça-feira, maio 31, 2005

Tique taque...

Relógio impertinente que conta o tempo não só em minutos, mas também em ciclos, faça-lhe o favor de deixar-lhe em paz. Os ponteiros já lhe causaram tantas voltas que o pobre chegou a perder a referência do tempo. Há quantos segundos estava de um mergulho de cabeça num poço sem fim ele não tinha nem idéia, mas sabia que eram poucos ou talvez nenhum, naquele momento poderia estar caindo sem sequer se dar conta. Neste último ciclo, sua vida gritava numa câmara de ecos mudos. Impossível? Talvez nada disso fizesse sentido, mas a verdade era que ninguém o notava como algo além de um corpo presente. Seu discurso era inócuo ao passo que sua voz se limitava aos seus próprios ouvidos. Uma vez ou outra era possível sim perceber alguma interferência externa, mas esta, ainda que vinda de fontes inspiradoras, não completavam aquele espaço vazio que crescia incessantemente a ponto de quase engoli-lo num vácuo total. Tique taque, anunciava o relógio. Tique taque, um ciclo de calmaria. Mais algumas voltas e os ponteiros poderiam lhe causar uma perda lamentável do pouco de sanidade que ainda lhe resta.

E ele nem sabe para quem pedir socorro...

Tique taque: o garoto complicado está por um fio.

segunda-feira, maio 02, 2005

teimosia...

Ele esperou por tanto tempo o que parecia que jamais seria dito. E de fato até hoje ele continua esperando. “Por que você não esquece?” É o que diz sua consciência incessantemente, “o que você precisa ouvir não partirá de quem você espera”. Mas ele teima em alimentar expectativas... Como ele é imaturo! Já passou da idade de viver histórias em mundos particulares e ainda assim persiste. Ah se ele pudesse ler algumas páginas do que lhe reserva o roteiro da sua vida... Ou melhor ainda: se lhe fosse permitido reescrever o que não lhe fosse de agrado assim como o faz em seus refúgios protegidos de quaisquer contratempos... Puxa vida garoto! Talvez você deva mesmo ceder ao conformismo. Muita gente por aí acha a tua vida perfeita e se você passa a acreditar nisso, quem sabe...

Se pudesse se afastar de tudo e de todos... Quem sabe ele não teria mais chances?

quarta-feira, abril 27, 2005

Quando a dúvida acaba...

E de repente voltam as longas horas de calmaria...
Confusões mentais, caminhos que se ramificavam à sua frente e escolhas difíceis eram tudo que caracterizava o alto nível de desordem na sua vida. Ele desejava se ver livre daquele turbilhão e agora que conseguira parecia enlouquecer de tédio.
O garoto complicado quer ver quem ele gostaria que estivesse online novamente. E por mais que possa parecer insensatez, quer que aquele contato volte a lhe provocar dúvidas como antes. Ao menos naquele tempo ele dispunha do alvo, enquanto agora permanece atirando às cegas numa escuridão de pensamentos vagos e passageiros.

sexta-feira, abril 22, 2005

Se...

“Se não fosse por (...) eu namoraria você”.
Ouvir algo assim o fizera pensar muito em como direcionava sua vida até então. Por que ele dificultava tanto? Não seria tão simples se o garoto complicado cedesse ao óbvio? Sentia como se sua vida fora amaldiçoada pelo “se...” e embora já tivera tomado atitudes objetivas na vida, continuava à mercê do vazio causado por pensamentos que o remetiam àquilo que poderia ter acontecido.

E as chances lhe escapavam continuamente como areia fina entre os dedos da mão... Enquanto que a verdade era que não havia obstáculo algum.

Se ele soubesse...

quinta-feira, abril 21, 2005

efeito offline...

A noite que seguia era mais uma copia perfeita de noites passadas. O vento soprava suave enquanto o coqueiro lhe seduzia numa dança hipnótica à janela do seu quarto. Ele tinha a expressão do mistério, seus olhos desnudavam o mundo e se perdiam em abstrações... Quantas vezes estivera distante daquilo que realmente o remetesse ao concreto ele não saberia dizer. Era filho de Platão. Já estava ali há bastante tempo. Vozes interagiam numa conversa agradável naquele deserto em que se encontrava. Ele era capaz de prever tudo o que seria dito e isto não o entediava, uma vez que não era o óbvio que predominava naquele devaneio encantador, era a manifestação de seus anseios em cada palavra que chagava aos seus ouvidos. Há muito o relógio havia deixado de funcionar. Seu instinto o impelia a dirigir aquele filme que se projetava a seu dispor. Os corpos deveriam se aproximar, mas os lábios jamais se encontrariam, àquele mundo eram proibidas as sensações. O diretor ordenava, mas a cena não findava como desejava. A situação desconfortável se intensificava a cada replay. Ele estava sufocado. Até que um som inesperado o serviu de passaporte de volta para o seu quarto. No monitor ligado alguém preenchia a sua lista vazia de contatos virtuais. Chegara então o momento em que lhe era apresentada a chance de conhecer um mundo além dos seus limites platônicos. Tudo o que precisava fazer era iniciar a conversa assim como o tinha feito no deserto. Mas de alguma forma ele sabia que em realidades diferentes, abordagens diferentes se faziam necessárias. O relógio voltara a funcionar. Ele não sabia o que dizer. Parecia tão perto, tão simples... Bastaria dizer “oi”. Duas letras digitadas numa fração de segundo lhe custavam um esforço imensurável. Estaria ele condenado ao estigma dos fracassados? Quando enfim o garoto complicado se convencera a mudar o curso do destino... O contato já não fazia mais parte das possibilidades concretas de que dispunha. Sua lista estava vazia. Sua chance se adiava mais uma vez para um futuro indeterminado. Mais um conflito o vencia como o fizera repetidas vezes. E ele sabia bem disso... Do lado de fora da janela o vento soprava suave enquanto o coqueiro dançava num ritmo lúdico. E o que restava naquela noite solitária eram apenas os mesmos ecos que o remetiam às abstrações de um deserto encantador.

quarta-feira, abril 20, 2005

to start...


E ele voava rápido como um pássaro... Naquele momento, em trajetórias circulares, nada mais sentia a não ser a chuva fina que parecia furar-lhe o rosto... Em cada rajada de vento... Em cada raio de sol... Imaginava-se em algum lugar entre o sim e o não, perdido de alguma forma entre um ponto e um travessão, alienando-se como um garoto complicado entre o sonho e a razão...

E ele não tinha a menor idéia de para onde estava indo...

Sejam bem vindos ao vórtice da minha mente!